domingo, 4 de julho de 2010

Deitada

Ela era bem pequena. Parecia uma criança debaixo das cobertas e se perdia deitada na cama de casal.
Ao seu lado estava sentado um homem robusto e forte, de semblante caído, cansado. Ele se apoiava em uma bengala e olhava para o chão respirando fundo.
Inspira... expira.
Inspira... expira.
Inspira... empurra, levanta, equilibra... expira.
Então o homem se levantou.
Olhou para cima, em minha direção e sorriu. Um sorriso sincero que chegava aos olhos. Respirou fundo novamente e começou a andar com cuidado em seu quarto apertado. Foi até o banheiro e fechou a porta.
Agora só restava eu e a mulher pequena. Ela não se mexia na cama. Já estava a observar a alguns minutos e nem ao menos conseguia discernir se ela estava respirando.
Aproximei-me da cama, fiquei parada ao seu lado e olhei para ela. Ela não me viu. Seus olhos fitavam para o teto sem nada ver.
Ao vê-la fraca e debilitada. Com a visão escurecida e sem qualquer movimento. Seu rosto marcado pelo tempo e seu corpo marcado pelas experiências, nunca iria conseguir imaginar que ela já foi.
Uma mulher pequena sim, mas de feitos grandiosos. É verdade que nunca vão falar dela em livros históricos e ninguém vai estudar sobre ela em alguma sala de literatura, mas todos que conviveram com ela sempre vão se lembrar da Tereza, da Irmã Tereza, da Terezinha, da "Menina", da Vó ou da "Bisa".
Apesar de seu tamanho, gerou 8 filhos. Alguns com mais saúde que outros, mas todos vivos até hoje. Criou os oitos, ajudou a criar os sobrinhos e ainda cooperou com a primeira leva dos netos.
Ajudava no coral de sua igreja, criava a peça de natal das crianças e dos jovens. Tocava orgão, piano e violino e ainda cantava.
As vezes fazia salgadinhos e docinhos para levar os filhos e os sobrinhos para um piquenique. E quando foi a vez dos netos, fazia a mesma coisa.
Costurava como qualquer uma das boutiques de paris. Fez seu próprio vestido de noiva e quase todas as roupas de seus filhos.
Gritava com qualquer um que fazia "arte" e cuidava de todos, a qualquer hora e a qualquer custo.
Foi uma verdadeira mãe, mulher, dona de casa, auxiliar; uma mulher virtuosa.
E agora eu a via deitada imóvel numa cama. Tudo que sei sobre ela é de lembranças de outros. Só a conheci deitada na cama. Que grande mulher ela deveria ser.
Nhec...
O homem gorducho abriu a porta do banheiro. Foi cambaleando para fora do quarto e em direção à sala.
Então apareceu uma senhora de meia idade. Foi rapidamente para o lado da mulher que estava na cama e começou a falar com ela. A senhora andava de um lado para outro do quarto, oras pegando algo, oras arrumando um canto e em todo momento com um olho na mulher.
Mais uma vez começava o processo de cuidar daquela que cuidou de muitos.
A senhora olhou para mim e começou a recitar uma lista de coisas que eu tinha que fazer. Parei meus devaneios e comecei a agir.
Afinal de contas, está na hora de cuidar da Vó.